sábado, 12 de janeiro de 2013

1996 (com Fernando) - continuando a parte II


             Fernando é tímido, mas atrevido e é quase impossível conviver com ele. Ele não se concentra nas aulas, fica inquieto o tempo inteiro e eu poderia passar todas as aulas lendo os bilhetinhos que ele escreve e passa por baixo do meu braço, mas não posso, tenho vestibular no final do ano, tenho uma meta e ele não faz a mínima ideia de onde quer estar daqui a cinco anos.
            Já tive que salvá-lo da coordenadora algumas vezes, a mais recente quando um garoto novato implicou querendo puxar assunto comigo. Nem sei quem é aquele garoto, acho que só o vi nesse dia, quando estava chegando à escola e ele apareceu na minha frente me chamando de qualquer coisa, acho que uma delas era gatinha. Eu queria rir, pois o garoto me pareceu bem idiota, explodiria numa gargalhada na cara dele, mas o Fernando chegou antes e ficou entre mim e o garoto. Não consigo lembrar o nome dele...
            O resultado foi quase briga, pois o Fernando não era muito diplomata. Não consegui ouvir o que ele cuspiu na cara do garoto, mas sei que a expressão dele não era das melhores. Cinco minutos depois estávamos os três na coordenação e ficou parecendo que éramos todos grandes amigos, que não passava de um mal entendido, mas sei que a coordenadora anda de olho no Fernando.
            Naquele dia não achei engraçados nenhum dos seus bilhetinhos assim como a aula de Física também não foi. Refletia se queria realmente aquele moço perto de mim, ele era um ímã para confusão, aliás, parecia gostar delas. Como eu poderia voltar para minha bolha de solidão com ele por perto? Como focar nos estudos se o Fernando não fazia conta deles? No lugar dele eu não estaria tão desleixada com a situação, afinal ele já estava repetindo!
            O que eu faço com esse... moço insuportável?
            No final das aulas, enquanto arrumava minhas coisas na mochila, ele falou:
            - Você nem riu de mim hoje... – o tom de voz era amuado, quase uma criança que culpa a outra por uma brincadeira que não deu certo. – Nem deu atenção às minhas piadas... O que fiz de errado?
            - Nada, eu só preciso estudar. Tenho um vestibular no final do ano e acho que você também. – isso não era da minha conta, mas porque falei?
            - Eu sei, mas não adianta, não vou passar numa pública. Terei que aguentar mais um tempo sendo sustentando pelos meus pais. – hum, posso entender isso, mas não concordo.
            - Ok, então, mauricinho! – e virei as costas para ir embora.
            Dei apenas um passo e ele colocou a mão na parede barrando minha passagem. Como assim? Ele vai querer brigar comigo também?
            - Olha aqui, não zomba de mim, sua “intelectualzinha” metida! Adoro você, mas para passar minha burrice na minha cara já tem gente demais. Quero você por perto para fazermos coisas divertidas, não para você ficar zombando de mim. – ele disse quase explodindo de raiva, mas sob controle. Soube naquele momento que sua raiva podia ser controlada caso ele quisesse. Resolvi testar.
            - Olha aqui você, seu mauricinho arrogante! Se você vai morrer de pena de si mesmo, vá para longe de mim, mas, caso queira sair da sua zona de conforto, continue por perto e tenha um foco. Eu tenho o meu, qual é o seu? – ah, eu sei jogar xadrez, o ataque é sempre a melhor defesa.
            Ele ficou meio desconcertado por alguns instantes e foi desmoronando na cadeira mais próxima. Sua expressão de raiva deu lugar a uma outra, de derrota, talvez. Parecia vencido, desgastado, desiludido. Quando recomeçou a falar, seu tom era baixo, achei que estava chorando, mas não.
            - Eu não tenho jeito, Mari, não vou lugar nenhum. O máximo que vou conseguir é uma faculdade dessas bem desclassificadas e olhe lá. Perdi muito tempo ficando suspenso, estive sempre metido em confusão, sou o maior frequentador da sala da coordenação. Meus pais já vieram aqui tantas vezes que nem contam mais. A escola só me tolera porque tem minha irmã também. E nesse tempo em que estive nas minhas confusões, perdi aula, perdi oportunidades, enfim... – ele está mesmo fazendo essa cara de criança que caiu do balanço? Como assim? Cadê o Fernando bravo, valente e atrevido?
            - Bom, se você não for ter pena de si mesmo, posso ajudar. – propus, afinal tenho um coração.
            Finalmente, quando ele me olhou, longos minutos depois, parecia menos mal. Mas só um pouco, o caso era grave!
            - Você sabe fazer mágica? – ok, ele quer ser irônico, mas não vai conseguir. Não sou a mãe dele nem a babá.
            - Não sei, sei apenas que temos tempo para estudar até chegar o final do ano quando chegarem os vestibulares. E aí, vai perder tempo morrendo de pena de si mesmo ou vai fazer alguma coisa de útil por si mesmo, mauricinho? – ah, Fernando, se vai ficar por perto, então você vai sofrer comigo, não sei fazer outra coisa.
            - Ok, quais são os planos? Ah, e pare de me chamar de mauricinho!
            - Não tenho grandes planos, apenas um agora: estudar! Vou passar para Engenharia Civil e você? Vai passar para que curso? – vamos testar para ver de que material esse brigão é feito.
            - Eu? Sei lá, nunca pensei nisso.
            - Então pense! E, enquanto pensa, podemos agarrar cada minuto como se fosse o último e dedicar aos estudos. Sem brincadeira, sem bilhetinho, sem brigas com os outros alunos, sem correr risco desnecessário com a coordenadora. E aí? – vamos no limite do rapaz, afinal ele não gosta de uma boa briga? Vamos brigar pela vaga na faculdade! – Levanta, Fernando, vamos para casa, já estamos perdendo tempo.
            - Ok, mas você vai se arrepender de estar perdendo tempo comigo.
            - Fernando, você ainda não entendeu, né?! Eu vou fazer dar certo! Caso contrário, se você quiser brincar demais e perder seu tempo, dou um chute em você e só voltamos a nos falar depois do vestibular, entendeu? Bom, depois do vestibular, as aulas terão terminado, vou para faculdade, então acho que não nos falamos nunca mais... Se é o que você quer... – que moço difícil, credo! É preciso argumento demais!
            - Bom, vamos tentar, o pior que pode acontecer é não nos falarmos? Posso tentar viver com isso. Você pode? – ele ainda ia ser arrogante? Sim, ele ia, é da sua natureza!
            - Estou indo para casa, você vai ficar aí? – falei para encerrar o assunto. Recolhi minha mochila e fui saindo na frente.
            Quando ele me alcançou, alguns passos adiante, passou o braço por cima dos meus ombros. Achei estranho, perto demais, mas não ia começar outra discussão, estava querendo mesmo era chegar em casa e tomar um banho. O nariz dele estava encostado no meu cabelo, será que está limpo? Ah, não acredito que estou pensando nisso. Não pensava que ele era mais alto que eu assim, desse jeito! Ah, eu estou quase me arrependendo de ter feito essa proposta idiota de ajudar, não consigo me concentrar com ele tão perto. Ficamos ali calados, perto demais um do outro, esperando nossos pais virem nos buscar.
Quando minha mãe chegou, virei antes de entrar no carro e falei para ele:
            - Às duas horas, na minha casa. Estejam lá, você e sua vontade de estudar, caso contrário, rua!
            A resposta dele foi um sorriso. Lindo demais para não ser de um deus grego. Mas eu não posso pensar assim... Quando entrei no carro, minha mãe não falou nada, mas conheço a dona Socorro:
            - Pergunta logo, mãe.
            - Bom, não ia falar nada, mas se você insiste.
             E a conversa girou em torno da presença próxima demais do Fernando, do sorriso idiota que brotava de instante em instante no meu rosto, das tardes que ele passaria lá em casa estudando, falei esperando a autorização dela depois de ter explicado a situação dele.
            - Minha filha, já estava ficando preocupada com você. Você leva as coisas muito a sério e esse moço parece uma ótima companhia. É divertido, educado e, se você vai ajudá-lo, fico muito feliz. Essa é a menina que eu criei, não aquela mal-humorada que anda pelos cantos lá em casa. É isso mesmo, bola frente que atrás vem gente!
            - Eita que esse saiu do fundo do baú, mãe!
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