domingo, 5 de fevereiro de 2012

É ela! É ela! É ela!

"... E o vento murmurou ao longe: É ela!" (Álvares de Azevedo)

            Sentado no sofá, ele esperava que ela chegasse. Sabia que, quando chegasse a hora, ela não avisaria, nem recado nem bilhete, torpedo ou recado no facebook... Como iria fazer, então? Escovou os dentes, usou enxaguante bucal e fita dental. Perfume importado, camisa e bermudas impecavelmente bem passadas.
            Como saber a hora em que deveria estar pronto? Colocaria uma roupa mais apropriada? Como saber se deveria ou não colocar o vinho na geladeira? Deveria preparar aperitivos?
            Beirava os limites saudáveis da ansiedade... Estava a ponto de comer todos os biscoitos recheados do armário... Fumar? Não, teria cheiro de fumaça pela casa e isso poderia espantá-la! Afinal, de que cheiro ela iria gostar mais?
            Passados instantes tão ínfimos quanto os passos das 57 formigas que viu passar pela porta, ela chegou. Parecia que tinha passado uma eternidade!
Enfim, ela veio.
             Não pediu licença, nem deu boa noite. Chegou e acomodou-se ao seu lado, quase tão perto que ele queria tocar. Mas não podia, seria devaneio demais, ousadia demais. Logo ele: pobre mortal que nunca poderia sonhar com a imortalidade dos grandes consagrados.
            Agora ela estava ali. Irresistível, sedutora e... toda dele!
Sentiu que era o momento, deveria ligar o computador e deixar-se manipular. Ela valeria a pena, cada segundo de espera angustiante, cada noite que dormiu com a sensação de dever mal cumprido, descumprido ou ignorado. Sensação de perdedor. Porém, agora sabia que era diferente, sentia-se infalível, quase poderoso demais.
Trabalharam juntos até a alvorada. Ela ditava as palavras e ele completava as suas frases como parceiros que há muito deixaram de se ver e queriam agora matar toda a saudade de uma vez só. Ela dava pistas e ele investigava; ela jogava a isca e ele agarrava sem ser fisgado, dava linha, incitava.
Divertiram-se e produziram. Foi cansativo e mágico, instigante e assustador. A melhor das sensações que há muito não sabia existir.
Por fim, desmaiou. Literalmente! Com um sorriso de prazer nos lábios.
            A Ideia que ele tanto esperou! Aquela Ideia! Era Ela, afinal, e despediu-se dele com um ar de “até logo”.