terça-feira, 6 de setembro de 2011

Platonismo

     Eu deveria estar de brincos, por que deixei no carro?
                Também poderia ainda estar de maquiagem, mas naquele dia havia trabalhado o dia inteiro e, no fim da tarde, meu rosto estava um lixo de cansado. Nenhuma maquiagem no mundo daria jeito naquilo.
                Pelo menos os óculos, que dá um ar intelectual, mas tinha feito um risco enorme antes de sair da escola em que trabalhava, e estava mais atrapalhando do que ajudando usá-los naquele momento.
                Evidentemente analisei tudo isso antes de cumprimentar o professor dos tempos da faculdade que também havia sido meu amor platônico eterno. Quando o vi naquela loja de departamento, ao lado de uma criança linda que só poderia ter o seu DNA, calculei tudo isso e o primeiro pensamento foi recuar. Havia passado tanto tempo, talvez ele nem me reconhecesse. Lógico que eu nunca o havia esquecido, mesmo depois de 10 anos...
                Ponderei, medi, calculei e me joguei.
                O que eu poderia perder? Nada. Ficaria triste se ele não tivesse a menor idéia de quem eu era, mas o que era tristeza diante da possibilidade de ver bem pertinho aquele “meu” deus grego da Linguística? Nada.
                Não vou reproduzir o diálogo, é íntimo, afeta diretamente meu “eu-lírico”.
                Mas ganhei primeiro dois beijinhos no rosto, ele lembrou-se de mim, fez uma referência direta a um projeto do qual eu fazia parte na época da faculdade. Lembrou mesmo!
                Conversamos sobre um concurso que estava em andamento, eu havia passado nas duas primeiras fases e ele estaria na banca examinadora da terceira fase, mas não na mesma área a qual concorria. Quem sabe, pelo menos, ele não estaria no mesmo local de prova e eu o veria novamente...
                Depois ganhei mais dois beijinhos de despedida. E mais dois de Natal e de Ano-Novo. Ou seja, ganhei o dia.
                Fui comer ali pertinho sem conseguir pensar em outra coisa que não fosse meu tempo de faculdade. Lembrei-me do meu desempenho brilhante nas duas disciplinas que havia feito com aquele professor, participei ativamente de todas as aulas e tirei nota máxima nas duas. Tinha uma menina chatinha que disputava palmo a palmo o primeiro lugar comigo, não que eu me importasse em ser a primeira da sala, mas queria a atenção dele voltada para mim. Inventava dúvidas onde não havia e adorava quando ele virava me olhando por cima dos óculos e dizia meu nome. Na conversa que tivera com ele, há poucos instantes, percebi que ainda olhava do mesmo jeito.
                Sorri sozinha lembrando-me de muita coisa daquele tempo, mas acabei descobrindo que engraçado mesmo era que aquele tempo nem estava tão longe e eu já tinha feito tanta coisa e era tão diferente daquela adolescente de 16 anos recém ingressa na universidade. E como eu era aflita, angustiada e estressada sem motivos reais. Desastrada, estava no código genético, não havia mudado muito nessa seara.
                Pensando ainda na mulher que era e na que me transformei, lembrei que se nunca tinha passado de um amor platônico de adolescente, agora é que isso não aconteceria mesmo. E isso também era uma conquista, pois não me permitiria um sentimento tão intenso aos meus 16 anos, me percebi mais livre de mim mesma.
                Aquele reencontro foi muito bacana a curto prazo por que alimentou meu ego destruído depois de tentar enfiar Literatura dentro de algumas cabeças duras durante 9 aulas seguidas.  Deu saudade também, um pouco de melancolia, vontade de ter feito um pouco melhor, mas nem sei se era possível e também me perdoei, algo inimaginável na minha adolescência.
                Fiquei feliz e quando entrei no carro gritei como criança, afinal não dava mais para fazer isso na rua como nos tempos de faculdade.
               

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